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Série "A Burocracia dos Cartórios"

Cartórios e a Burocracia
Reclamo dos cartórios faz é muito tempo. Como sou advogado, vivo o dilema de trabalhar com eles de forma cotidiana. Mas não reclamo por mim. Reclamo mais pelo que vejo que é um entrave para o Brasil. Um entrave e um atraso em vários campos: na concretização de negócios, na vida civil das pessoas e na resolução de problemas de uma forma geral.Os cartórios foram concebidos com o intuito de que certos assuntos de interesse público fossem geridos por parceiros privados. Não precisa dizer que a história desse instituto no Brasil foi permeada e recheada por favorecimentos, extensão de privilégios e toda a “cortesia” que acompanha isso tudo. Virou uma confraria.Deve-se dizer que outra razão para essas repartições também é dar segurança aos negócios. O problema é a que custo e a que modo.Claro que eu quero que os negócios jurídicos sejam seguros, mas hoje em dia, há diversos meios de se garantir a segurança de um negócio de modo bem mais rápido e barato do que o que os serviços cartoriais oferecem. Várias exigências dos tabelionatos são hoje bizarramente inócuas. Quem acha que um edital (convocação para alguém fazer algo, como se opor a alguma coisa) pendurado na parede de um cartório realmente é um instrumento que garante que quem possa impedir um casamento consiga fazer isso? Pois é. Para quem quer se casar, essa medida atrasa o procedimento em uns 25 dias, pelo menos. 

Aliás, a própria situação de alguém querer impedir um casamento é já nos dias de hoje algo meio bizarro.Essa regrinha é um exemplo. Existem hoje centenas, para não dizer, milhares delas, demandando atos e esforço (além de dinheiro)  das pessoas nos diversos procedimentos que querem, ou são obrigadas, a tomar cotidianamente.E o pior: essas regras desnecessárias continuam a emperrar a vida das pessoas ou por que interessa a alguém, que tem um mínimo ganho de impedir que a regra seja mudada, ou por que alguém é preguiçoso demais para mudá-las. A conveniência de cada uma dessas regrinhas se pode discutir, mas o bizarro, mesmo, é que o sistema como um todo não é aprimorado, o que incluiria uma contínua análise da necessidade de cada uma dessas regrinhas,, pelas pessoas que organizam e que supervisionam o sistema. As regrinhas continuam ali, as vezes objeto de interpretações que as tornam ainda mais descabidas e, por mais que você diga que elas não fazem sentido (as regras ou as interpretações delas), o sistema é absolutamente travado.E, tenho que repetir, são várias dessas regras. Várias. E elas realmente atrapalham a vida. A nossa vida. A vida do país como um todo, por que despende energia, e dinheiro, sem precisar.Vamos ir decifrando um pouco desse sistema por meio do gabinete paralelo e nossos canais parceiros. A luta pela melhoria constante do serviço público é uma luta pela melhoria da vida das pessoas.
Na próxima postagem vamos contar um pouco sobre quem cria as normas seguidas pelos cartórios e como esse processo ocorre.

Nesse post vamos falar sobre quem organiza e fiscaliza os cartórios. E também quem cria regras complementares para eles. Estamos falando da Corregedoria de Justiça dos Estados.

A Corregedoria é normalmente formada por Juízes e Desembargadores (juízes de segunda instância). Isso já significa que as pessoas que fiscalizam e criam normas para os Cartórios não tem essa função como sua principal. A função primordial deles é julgar os milhares de processos que tramitam em seus gabinetes. 

O outro problema do sistema gerenciador de cartórios é o ego. Isso mesmo. As vezes a verdade é ácida e nós, na busca da verdade, não vamos deixar de falar as coisas. Geralmente há a tradição, no Brasil, de que os membros da alta cúpula dos serviços públicos no Brasil sejam afetados pelo mal do ego. 

Isso significa que eles adoram criar regras. E regra, em excesso, é exatamente o que atrapalha o sistema. O pior é que as regras criadas, muitas das vezes, fogem do limite que a Corregedoria tem para criá-las. As normas da corregedoria tem de apenas explicitar ou detalhar melhor o que existe na lei sobre os assuntos. Essas normas não podem ditar deveres que não existem na lei.  O que você acha que acontece? Bingo! Uma miríade de normas e deveres que não estão na lei, ou mesmo, fogem do que a lei comanda. Só para o leitor ter uma ideia, o Código de Normas do Estado de Minas Gerais, criado pela Corregedoria, tem 205 páginas e 1244 artigos!

Esse sistema é um grande entrave para a agilização. O burocrata, quando está escrevendo uma normativa, nos parece, tem prazer em acrescentar alíneas, esquecendo-se que cada alínea  é uma obrigação a mais para os cidadãos; ora, sempre é bom ter segurança nos negócios, mas segurança em excesso pune quem age correto.

A preocupação com quem age errado tem de se resolver com  condenação daquelas pessoas que agem errado. Não com burocracia que se destina ao todo da população! No próximo post, vamos falar mais da mentalidade na qual está inserido o sistema cartorário brasileiro e como ela precisa mudar.

Segue a gente!

Hoje falemos da mentalidade que envolve o sistema cartorário. 

Uma das ideias que rege o excesso de burocracia é o medo. Como os cartórios podem responder pelos erros eventualmente permitidos nos negócios; uma fraude perpretada perante o Cartório pode gerar ao dono do cartório um prejuízo. Por causa disso, os donos de cartório adoram pedir mais e mais documentos. O problema é que os cartórios recebem muito dinheiro e a responsabilização, portanto, faz parte e é um ônus da profissão. Não cabe emperrar todo o sistema por conta do medo pessoal.A questão do custo do sistema cartorário deveria resolver isso. Mas aí talvez opere a ganância. Se quer ganhar mais e mais. Ou os serviços cartorários deveriam ter custos correspondentes com o trabalho envolvido. Escrever e guardar uma escritura de compra e venda envolve (a) redigir um texto, na maioria das vezes padrão e (b) arquivar esse documento. Qual o preço justo desse serviço? Um percentual do negócio imobiliário? 3, 4, 5 mil reais, numa escala gigante de demanda, pois todo mundo PRECISA de uma escritura para vender um imóvel? Um carimbo chamado apostila de Haia, que simplesmente reconhece a firma de um tabelião para dar validade internacional a um documento, deve custar 200, 300 reais? Um selo? Um estudo de 2017 (2017!) indicou que cartórios faturaram mais de 17 bilhões de reais naquele ano (vamos falar disso no próximo post) Aí a questão que decorre é se o sistema é criado e gerenciado para favorecer os cartórios ou o público, a população? O povo é que deveria ser o destinatário do interesse das leis e normas. Não os grupos especiais.

OS CARTÓRIOS DE QUASE R$ 1 BILHÃO 

O CNJ mostra a soma da arrecadação por cartório desde 2005. Nesses 15 anos, os campeões de arrecadação foram o 9º Ofício de registro de imóveis do Rio de Janeiro com R$ 971 milhões e o 11º de São Paulo, com R$ 811 milhões. O 9º Ofício no Rio de Janeiro não quis comentar os números antes de fazer 1 levantamento próprio, o que levaria pelo menos 30 dias. A serventia conta com 221 funcionários para atender as áreas de Jacarepaguá,  Glória e Santana, no centro da capital carioca. O cartório de São Paulo confirma a arrecadação. Afirma que fica com 62,5% do valor e que o restante é repassado para Estado, fundos especiais e compensações. O CNJ diz que os dados na sua página vêm dos próprios cartórios.

 

Hoje, depois do desenvolvimento do que se chama blockchain, vários serviços que hoje são operados por cartórios poderiam ser sistematizados de uma maneira muito fácil e barata. Mas a tecnologia assusta. Sabe quem? Quem lucra com os cartórios. 

Por isso, e é notório que exista isso, há o chamado lobby dos cartórios, com muito poder (por que tem muito dinheiro!!) e que tem muito influência na criação de leis pelo Congresso nacional. 

Em 2018, por exemplo, Cartórios fizeram lobby contra o chamado cadastro positivo, que é um sistema para impedir calotes. Isso por que o referido Banco de dados sobre consumidores tendia a reduzir a inadimplência e o protesto de títulos, afetando a receita do negócio! 

Atualmente existe hoje o que se chama certificado digital! É um certificado, instalado no computador de uma pessoa, através de uma senha fornecida depois de um encontro presencial e checagem de documentos daquela pessoa, que valida qualquer documento assinado com ele! 

Isso deveria ser possibilitado a todo brasileiro ter, e houve a tentativa, no congresso, em 2020, de criar um certificado digital muito barato ou gratuito, e que praticamente eliminaria a necessidade de reconhecimento de firmas! Teve forte resistência dos cartórios (e a lei não passou!) 

Conforme estabelece o art. 150 do Provimento Conjunto nº 93/2020 estabelece que, havendo exigência a ser satisfeita o Notário a indicará para que seja satisfeita pelo interessado, confira-se:
Art. 150. Havendo exigências a serem satisfeitas, o tabelião ou oficial de registro deverá indicá-las ao apresentante por escrito, em meio físico ou eletrônico, no prazo de 15 (quinze) dias contados da apresentação do título ou documento.§ 1º As exigências deverão ser formuladas de uma só vez, por escrito, articuladamente, de forma clara e objetiva, em papel timbrado da serventia, com os fundamentos de fato e de direito, data, identificação e assinatura ou chancela do preposto responsável, para que o interessado possa satisfazê-las ou, não se conformando, requerer a suscitação de dúvida. Além disso, os cartórios deverão atender aos seus usuários de maneira cordial e com eficiência.Assim está previsto da Lei de Cartório nº. 8.936 de 18 de novembro de 1994, especificadamente em seu artigo 4º. 
Portanto, há a disposição de que “os serviços notariais e de registro serão prestado, de modo eficiente e adequado” (vide art. 4º). Outrossim, a referida legislação dispõe o seguinte.
Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro:
II - atender as partes com eficiência, urbanidade e presteza.
Você que já passou por alguma situação dessas no Cartório não deixe de reclamar, hoje existe um site para que pessoas como você possa informar sua insatisfação com o serviço fornecido. Não deixe de fazer a sua! Acesse https://www.tjmg.jus.br/port.../cartorios-extrajudiciais/....
Continue acompanhando a nossa série sobre a burocracia dos cartórios brasileiros.

 

Vamos cada vez menos ao banco. Pagar uma conta, fazer uma transferência, conferir um extrato; pouco tempo atrás, isso exigiria um deslocamento. Hoje, fazemos de casa ou do celular.
Agora imagine se os bancos se unissem e fizessem lobby no Congresso para proibir o internet banking, obrigando-nos a voltar às agências. É exatamente isso que o lobby dos cartórios e tabelionatos faz neste momento.
Já existe tecnologia para que realizemos online muitas das funções dos cartórios. Transferir propriedade, certificar documentos e contratos, conferir titularidades. Isso já é rotina em diversos países. E há, aqui no Brasil, uma medida provisória no Congresso para viabilizar esse avanço: é a MP 1085/21, ou MP dos cartórios digitais. Graças ao poder de pressão dos cartórios, contudo, ela corre o risco de caducar.

A digitalização dos cartórios reduz o custo de se fazer negócios. Transferir um imóvel levaria poucos dias, e não semanas ou até meses. Para cada um de nós pode parecer pouca coisa, porque compramos e vendemos imóveis poucas vezes na vida. Mas o custo agregado das transações de toda a sociedade é alto.

 

A possibilidade de se consultar os registros instantaneamente também facilitaria o processo caro e demorado de averiguação de documentos numa compra ou venda. Hoje, são dezenas de profissionais e semanas de trabalho que as imobiliárias gastam para fazer essa tarefa, que poderia ser resolvida em poucas horas se fosse tudo digital.
Num estudo da Câmara Brasileira da Indústria da Construção ("O Custo da Burocracia no Imóvel", de 2015), a burocracia encarece em 12% o preço final dos imóveis, cerca de R$ 18 bilhões por ano.
A digitalização também ajudaria o mercado de crédito. Com registros públicos digitais, facilmente verificáveis, uma instituição financeira pode ter mais segurança em aceitar uma propriedade como garantia. Isso sem falar no ganho para todas as transações com a assinatura digital e o fim do ritual arcaico de ir e voltar a cartórios para reconhecer firma.
É claro que nem todo mundo fica feliz com isso. Cartórios temem que essa digitalização, centralização e disponibilização da informação que eles hoje possuem seja o início de seu fim. Tabeliães também perderiam muitas das suas prerrogativas. Ninguém gosta de abrir mão de privilégios. Para se ter uma ideia, a renda média de um titular de cartório ultrapassa os R$ 100 mil mensais. Por isso mobilizam um poderoso lobby e sustentam diversos políticos pelo país.
Em toda disputa social há interesses antagônicos em jogo. Neste caso, imobiliárias, financeiras e construção civil são favoráveis à certificação digital, enquanto os cartórios e seus apadrinhados são contra.
Não é escolhendo um predileto entre esses dois grupos que chegaremos à solução. Precisamos olhar para além da disputa imediata de interesses privados e pensar no interesse social, no qual não há a menor dúvida: toda a sociedade ganha com uma economia mais digital, mais rápida e mais acessível. Afogar-se em papelada, carimbos, taxas e deslocamentos desnecessários é um atraso geral.
Às vezes o jeito mais eficaz de sabotar uma mudança é simplesmente deixar o assunto morrer. É o risco atual.
Se não for votada até 1º de junho, a MP perde a validade. Ainda nem tem relator.
Ou a sociedade se organiza e mostra aos deputados a importância dessa pauta ou seguiremos reconhecendo firma e autenticando cópia. Se você adora perder uma tarde no cartório, é só não fazer nada. Agora, se você não gosta, não adianta lembrar do assunto só na próxima vez em que estiver na fila de um carimbo.

(Texto de Joel Pinheiro da Fonseca - Folha de São Paulo)

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